31 maio 2010

ARAME FARPADO

Estou?

Algodão doce.

- Quem fala?

Veludo

- A minha mãe?

Seda com areia.

- Quer falar com a minha mãe?

Lixa.

- Um minuto, vou chamá-la!

Arame farpado.

A manhã corria veloz, com o tempo zombando da ansiedade costumeira. Os minutos encavalitavam-se e desmoronavam-se em horas fugidias. E as folhas tinham todas duas páginas, letras pequeninas, diminuindo mais e mais, de propósito para atrasar a leitura. Um dia normal, afinal. A menina que tinha que o ser lutando pela perfeição.

Já o era, não sabendo, e ainda assim lutava. Já intuía a expectativa. Já a decifrava em todos os olhares. Já a colava lá no alto da fasquia, sempre mais alta. Sempre com a sensação de que a vara se partiria no auge do voo e que não haveria colchão para amortecer a queda.

Tudo planeado. Controlado. À prova de falha. O teste mais tarde, a nota acima da média tarde depois do mais tarde, o reconhecimento escondido num olhar fugidio logo a seguir e uma nova expectativa, ou uma velha expectativa, imediatamente posterior. Sem rede. Rotina.

Menos o telefone, na sua estridência, no TRRRRRIIIIIMMMM TRIIIIIIIMMMMMMM metediço. Trrrrriiiiiiiimmmmmmmm!!!!!!

Arame farpado: 14 anos e um teste a seguir e um nervoso miudinho, mais miudinho do que o costume, porque normalmente era uma miudinha com nervoso e não o contrário.

Lixa: 13 anos e nenhum evento em especial, para além de ser o dia, a hora, sempre o dia e a hora em que o telefone tocava e a mão se crispava e o estilhaçaria se ao menos os dedos pequenos tivessem a força necessária. Anualmente, a alegria estilhaçada pelo negro da caixa que tocava e que a tocava na ferida que não sabia sarar.

Seda com areia: 12 anos e um Juiz, lá no alto e negro num vestido que o vestia de imponência e a despia de defesas. «Com quem queres ficar, minha menina? Com os teus pais adoptivos ou com os teus pais biológicos?». Solene, o som da decisão, peremptório. Simples porque não havia o que decidir. «Com os meus Pais. Quero ficar com os meus Pais». Depois de arquear as sobrancelhas numa moldura pintada de impaciência, depois de apontar - dedo em riste na direcção - o Juiz, que devia ser inteligente lá percebeu quem eram os Pais. Como se pudessem ser outros! Como se fosse preciso dizer….

Veludo: 8 anos e a inocência é macia. Mas como o veludo tem reverso, o avesso do veludo é exigência. De perfeição. O que dirão os outros, se os deixar ficar mal? Imaculada, tens que ser um exemplo, uma decisão acertada. Veludo na falta de consciência e consciência da diferença.

Algodão Doce: porque é doce a inconsciência, a liberdade de nada saber, de nada intuir, de não se imaginar sequer que se espera sempre algo de alguém. Mesmo que não pareça. Doce a liberdade de ainda poder não ser.

- Estou?

- Quem fala?

- É a tua mãe, filha.

- A minha mãe?

- Parabéns, minha filha! Catorze anos! Parabéns!

- Quer falar com a minha mãe?

- Mas… filha, eu sou….

- A minha mãe não é? Deve querer falar com a minha mãe. Um minuto: vou chamá-la! Mãaaaaaeeeeeeeeeeeeeeeeeeee! Ó mãe! Anda depressa. Há uma senhora que quer falar contigo.

Engraçado…O Juiz perguntou. E ela apontou. Com o dedo biológico em riste, escolheu numa escolha que não o era. Não hesitou, não tremeu. E não se enganou. Usou a bússola afectiva, o norte do Amor. Apesar da perfeição como preço.

E ainda assim… Cruel, a biologia: 14 anos. Arame farpado. Muro intransponível. Electrificado. Perpétuo. Ninguém tem duas mães. Menos ainda as meninas perfeitas.

- Mãe? A minha mãe? Vou chamá-la!

28 maio 2010

ENTRELINHAS


Amo-te para além das palavras. Mas amo-te dentro delas. Gosto de me embrulhar nelas, de as fazer minhas, de as imaginar ditas pela tua boca doce, na tua voz de menino que não cresce ao ritmo dos anos porque prefere reflectir-te a alma.
Amo-te no intervalo das entrelinhas. Nas vírgulas só minhas. E faço de ti uma frase contra todas as regras da gramática, longa, sem fim. Sem ponto, com horror ao parágrafo. Uma sucessão interminável de reticências a cada ausência. E milhentos adjectivos, todos sinónimos de alegria a cada reencontro.
Amo-te dentro das palavras. Para além delas encontro-te, pespontado nas vírgulas que espalho na frase infinita que não me canso de acrescentar.
Com variações do verbo amar.

27 maio 2010

JANELA


Quero-me nessa janela em ti
Tão longe e perto, tão já aí,
Tão pequenina, tão toda magia,
Com uma sardinheira dependurada,
De cores garridas, da cor da alegria.
De cortina branca, pura, alvoroçada
Pelo vento que nasce se passas na rua
E me sopras um beijo e me fazes tua.

26 maio 2010

SOLIDÃO

A solidão é um saco cheio de abraços que não encontraram par. A poesia é o fumo que foge pela chaminé dos corpos quando as almas se encontram e se consomem nas chamas da paixão. Os caminhos são promessas de tempo a viver entre o ponto de partida e o ponto de chegada, entre a porta que se fecha e a porta que se abre.

Os outros são o nosso reflexo num mundo sem espelhos, onde somos todos velhos onde todos trazemos guardadas em rugas as memórias felizes, amarfanhadas sob as cicatrizes lisas da desilusão.

As crianças são gargalhadas que se escapam de bocas fechadas, que encontram nesgas de espaço onde não existem espaços, que usam o vazio para se fazerem eco do eco dos ecos que se propagam sem fim porque nada tem começo. E porque nada começa nada acaba.

Os olhos são furos em nós próprios – dois, não se estrague um – para deixar passar as lágrimas que fabricamos a toda a hora sobre as memórias que escavaram rugas que escondemos sob desilusões cicatrizadas.

Fazem um oceano, as lágrimas que justificam a existência dos olhos e que são sempre muitas e que querem sempre ser mais e que podem sempre ser mais porque arde em chamas a paixão por todo o lado fazendo-se fumo e cinzas e almas carbonizadas com furos para poderem chorar.

As lágrimas fazem-se palavras e quando ficam alinhadas, alindadas, rimadas, chamam-lhes poesia porque a poesia tira fotografias perfeitas às mágoas e às cicatrizes e às gargalhadas que são crianças e se fazem eco sem se fazerem som.

A poesia guarda-se em sacos. De pano, de plástico, sacos e sacos de palavras largadas, alinhadas ao fundo do inconsciente, contra a parede esquecida da felicidade. Coberta de «grafittis», de palavras gráficas, enormes e minguadas de significado, sobrepostas, expostas. Na parede esquecida da felicidade que também se podia chamar alegria, porque também já ninguém se lembra dela.

Dos olhos – em par – pingam gotas de solidão, líquidas de ausência. Transbordando desencontros, ávidas do abraço que não se deu e que se guardou no saco encostado à parede. Aquele, dos abraços que não encontraram par. E que se misturam com os sacos da poesia. Porque quando os braços se fazem abraço as almas fazem-se labareda. Depois brasa. Depois fumo. Depois cinza. Depois bonecos de gente para deambular num mundo que não começou e por isso não traz um fim a temer. Com dois buraquinhos no sítio dos olhos. Para verter lágrimas que serão oceano. Que os vai dissolver nas viagens pelos caminhos, pelas promessas do tempo que não existe porque o que não começa não pode existir. Entre a porta que se abre e a porta que se fecha. Que não precisa de passos nem de tempo. Porque é a mesma.

E tem a fechadura estragada.

25 maio 2010

ERA MINHA


Tinha-a na mão
E era minha.
Na mão fechada
Bem guardada
Ainda a tinha
Num fim de solidão.

Por entre os dedos
E era minha.
Cravada na palma
Escrita na alma
Assim a tinha
No fim dos segredos.

Na mão ferida
E era minha.
Bem apertada
Já desbotada
Ainda a tinha
Mesmo esquecida.

Dedos crispados
E era minha.
Velha de sempre
Na mão dormente
Ainda a tinha
Mesmo aos bocados.

Escancara-se a dor
E – sendo minha –
Ofereço-te ESPERANÇA:
Faz dela herança.
Na mão que a tinha
Deixa ficar AMOR…




22 maio 2010

FIRMAMENTO

Se a distância fosse minha, oferecia-ta. Para a encurtares. Para a destruíres. Se o tempo fosse meu, emprestava-to. Para o gastares. Para o cansares, para o estilhaçares em fragmentos tão pequenos que não servissem para nada. Para o fazeres nada. Para sermos tudo fora de tempo. Ainda a tempo de sermos mais. Sempre a tempo de sermos Nós.

Um Nós generoso, que se divide mas não se separa, ligado que está para além do tempo, para lá da distância. Num vazio de fim porque todos os dias são recomeço. Porque todas as noites são amnésia e todos os despertares são felicidade. Nossa. Perdida na sombra das sombras. Esquecida no eco do eco. Presente no reverso da vida. Sempre reflectida no sorriso que brilha em cada sorriso.

Tu és Sol e eu sou Lua. De mãos dadas mantemos unido um Firmamento, para além dos mundos que nos separam. Sempre que as sombras crescem e a tristeza escorrega nelas em direcção a nós. Sempre que a inveja floresce e a maldade se disfarça de cores garridas num hino à hipocrisia. Sempre que o silêncio se instala como única resposta à injustiça, num cadeirão amplo, tapeçaria de alfinetes afiados. Sempre que as lágrimas contam histórias de amargura no reflexo que deixam cair logo depois de se formarem nos olhos da infelicidade.

Segura-me a mão. Com força. Que se não solte o firmamento. Com a outra… ajuda-me! A resgatar cada estrela perdida, vagueando à deriva na distância que não podes destruir nem encurtar, no tempo que não podes estilhaçar em pedaços de nada.

Porque não são meus, para te oferecer. E assim nos condeno à eternidade.



EUA 22 Maio 2010

21 maio 2010

CARTA



Esta é uma carta
Que te entrego fechada.
Tem selo à frente
E pode não conter nada.
É um presente
E pode ser ignorada…
Mas quer ser aberta
Quer ser ansiada!
Tua, a carta fechada
Quer ser escrita
Quando o teu olhar
Ler a folha branca
Que te quis enviar….
Devolve-a. A mim.
-Fechada e selada –
Ainda hoje, pelo correio.
Quanto de ti está nela?
Quanto afinal não veio?
Porque te amo assim?

20 maio 2010

PASSOS DESCALÇOS



Caminho.

Pelos caminhos certos. Referenciados. Mapeados. Conhecidos. Seguros.
Nos passos.
Abandono-me.
Nos braços que me erguem – deixei os sapatos no chão! – nas mãos que me guiam a alma.
Nos espaços entre os passos que os sapatos descalços continuam a trilhar.
Mecânicos. Sempre em frente, sentido obrigatório, pára!
Ou deixa-os ir, se não sabem que aqui fiquei.
Neste campo florido sem veredas pisadas, sem flores quebradas, vergadas sob o peso de alguém. Onde tenho as mãos floridas, onde os pés se querem raiz em terra fértil, feliz!
Estás ai?
Sob as searas que o vento afaga, que se deixam pentear e que dançam para lhe agradar?
No lilás que as tinge, que as priva do seu dourado, para melhor as oferecer ao luar?
No ecrã azul do Céu, onde as nuvens são sombras pintadas ao contrário, porque não o conseguem desligar?
Os sapatos!
Os sapatos… Deixa-os ir, não sabem deambular!
Ergue-me mais alto. Nos teus braços, nesse abraço onde me arrastas nesta viagem de almas.
Quero ver o mar para além do xadrez de oliveiras, do tabuleiro pintado de todas as cores.
Lá ao longe, sinto-lhe a espuma. E o sal que me quer depositar nos lábios depois de cada beijo, no fim de cada desejo enrolado na força com que as ondas se rendem.
No molhado que fica na areia, suor efémero e repetido a cada onda, a cada êxtase de partilha e amor, condenado a sê-lo enquanto o mar for inquieto e a alma for calma….
Encontram-se sempre no mesmo lugar, imunes ao tempo que se esquece de por lá passar.
Vivem da impermanência de uma comunhão repetida, impossível de eternizar.
O beijo é um segundo, o abraço é outro e nasce logo a saudade para os celebrar.
Embala-me.
Nos braços teus, que se não cansam de me trazer vagabunda e descalça, num não caminho, num trilho escondido atrás do olhar.
Mostra-me o nosso reflexo – inventa um lago onde nos pintar! Um lago com ligação ao mar. De braços abertos – incansáveis, como os teus – a todas as lágrimas perdidas e sem lugar.
Para que nele se possam aquietar. Ganhar novo brilho e fazer-se mar. Pelo caminho secreto que soubeste criar.
Anda, que tens forças – ultrapassa o bando de andorinhas – e faz-nos voar. Que vamos chegar antes delas à Primavera. Que lha vamos inventar para dar sentido ao seu migrar.
Quero ver o sol de perto.
Olhar-lhe bem para a luz e perceber se brilha assim porque sabe amar. Perguntar-lhe onde lhe nasce tanto calor para partilhar. Oferecer-lhe água para se refrescar.
Se eu adormecer meu amor, nos teus braços, derramada de tanto amar…
Não me devolvas os passos.
Não me calces os sapatos.
Aconchega-me no teu colo.
E deixa-me ficar.
A sonhar!



10 Maio 2010

19 maio 2010

MEL


















Vejo-te e fazes-te mel em mim.
Os meus ossos desfazem-se,
Fazem-se algodão doce de arrepio.
O sorriso nasce e pinga
Sobre a tua boca
Em tragos de língua
Molhados, suaves e vagarosos,
Que bebemos felizes.
O meu corpo reflecte a luz
Polvilhado de açúcar
Cristais brilhantes
Espalhados ao acaso
Que juntas com a boca,
Devagar e com desvelo
E que me ofereces
Em beijo interminável.
Vejo-te e fazes-te amor em mim.
Com a alma.
Na promessa do corpo.



19 Maio 2010

16 maio 2010

PASSADO DE ROSAS



No chão…

São pétalas.

De amor que me faz pequena.

Prontas a voar nas brisas

Elevadas pelos vendavais

Amanhã haverá mais e mais

Restos espalhados em rosas

Da roseira viva, serena.

Na mão…

São espinhos

De cada caule abandonado

Das folhas sempre perdidas

Insensatas e impetuosas:

Soltas, já não são viçosas.

Livres, descobrem-se feridas.

Belas que eram, são passado.



14 Maio 2010

14 maio 2010

SINFONIA



Fecho os olhos, busco silêncio

Que lá me encontro na alma

Na quietude da tua calma….

Nesse estado plano infinito.

Fecho os olhos, busco a música:

Como a fazes assim tão física

Toda corda de pele esticada

Toca tecla de piano tocada?

Fecho os olhos na tua mão.

Assim te ofereço o meu olhar

Para que nele possas encontrar

As notas da nossa paixão.

Fecho os olhos e a melodia

Pede emprestado o caminho

Do meu sangue, da euforia

Para descansar no teu ninho…

Fecho os olhos, és sinfonia

E eu sou palco em esplendor

Unidos, fazemo-nos magia

Tornamos possível o amor!



14 Maio 2010

12 maio 2010

AMIGO





Hoje perdi um amigo.
Procurei-o, não encontrei!
Trago-o sempre comigo….
Onde o deixei?
Não está no sítio.
Deito-lhe a mão
Sinto-lhe o vazio
Ai, que solidão!
Hoje perdi um amigo.
Deixei-o cair, deixei-o ficar.
Choro, mas digo para comigo:
Sossega. Deixa-te achar…


12 Maio 2010

NUVEM













A nuvem sentou-se
No chão imaculado.
Cansada, soltou-se
Do Céu desabado.
Abandonado
Desmontado
Adiado?...
O chão insurgiu-se
De repente molhado:
Que a núvem se fosse
Sentar noutro lado!
Zangado?
Ferido?
Perdido?
A núvem ergueu-se
Gotas lançadas ao ar!
Na subida, lembrou-se
Que o sol a fez brilhar.
E desfez-se em chuva
Nos olhos de alguém.....


12 Maio 2010

11 maio 2010

À procura da noite

A noite procura-o. Esquiva. Quer colar-se-lhe à pele. Morena. Chama-o do fundo das sombras. Perdida. Sentado no escuro sorri. E deseja-a.
Lança-lhe as lembranças do futuro, em espirais fugidias que se espalham pelos momentos. Serpentinas rebeldes. Entrançadas de suspiros e beijos e suor ao quadrado. De sorrisos partilhados com luzes diáfanas de velas. De sintonias para além das notas musicais, de sinfonias de cordas tensas, corpos feitos instrumentos, notas fáceis. Demais….
A luz envolve-o. Matreira. Cobre-o em manto. Alicia. Com promessa de revelação, encandeia-a. Chama-a da superfície da luz. Encandeia-a. Abraça-a, com a alma. Abraça-a… Sentado no reflexo sorri. E ama-a…

10 maio 2010

BRISA























A brisa bateu-me à porta
- toda lágrimas pequeninas –
Com pancadas de mansinho.
Sussurrei: «está aberta»
A todas as lágrimas e às minhas
Eternas mendigas de carinho.

A brisa fez-se-me rio
Fio de água em chão molhado
Onde me arrefecem os pés.
Ajoelhei-me no chão frio
E com desvelo – todo o cuidado
Vi no reflexo quem és.

A brisa deixou-se estar
Encontrou colo, fez-se forma
Numa clausura transparente.
Quieta, deixa-se amar
Na liberdade que transforma
Na doce prisão que consente.

A brisa perdeu o caminho
Presa na memória dos tempos
Que corre num rio de pérolas
E de cada margem faz ninho:
Nela deposita os momentos
Em que os olhares são lágrimas.


10 Maio 2010

09 maio 2010

101

Quem diria....
 101 «postagens»...

OLHAR O SORRISO

Hoje não me sorriste com o olhar. E eu, querendo ir, deixei-me ficar. Nesta janela de sardinheiras e reflexos de vidas recortadas. Como as Nuvens que trepam pelo Céu e se deixam ficar dependuradas ao contrário. De pernas para o ar. Cansadas dos passos, dos embaraços, dos infinitos abraços que lhes chegam em sussurros. Em segredo. Espreitam de olhos fechados, tentando intuir o Mundo. Que gira sempre no mesmo sentido sem rumo. Ao acaso, vagabundeando na mesma órbita. Oferecendo marés ao Mar, movimento aos Rios e reflexos aos Lagos. Brincando com o Sol. Que te persegue, que te quer iluminar, que se te quer em sorriso. No olhar. No fundo dos olhos com que me sentes e me sabes amar. No fundo do Abismo em que flutuo só para me deixar resgatar. Para atrair o Sol e tentar impedi-lo de regressar. Ao seu trono sobranceiro. Vulcão incandescente, lava líquida, lava-me na queda de Água fresca de lágrimas tuas, guardadas para os momentos perdidos. Para os dias sem pele, para as noites sem calor, para as horas de vapor de amor. Evaporo-me num labirinto de Saudade, preso em caminhos de verdade, lama que se me cola aos pés que não deixam pegadas nem rasto. Tropeço, caio em mim, e a lama mais não é afinal que pó de Passado embrulhado em bruma de Futuro. Deixo-me ficar, olhos fechados, numa tentativa de recordação. Do sorriso que deixas brincar quando me ofereces o teu olhar. Ergo-me e no chão fico em molde. Côncavo, deixo-te em oferenda o meu corpo, Completo só quando te fazes convexo em mim. Hoje não me sorriste com o olhar. E eu querendo sorrir fiquei a chorar.



08 Maio 2010

EMPRESTA-ME


A MINHA ALMA E O MEU CORPO SÃO TEUS.
EMPRESTAS-MOS PARA A VIDA?
Fecho os olhos e penso a correr:
Esquece a memória, esquece o pensar
Concentra-te mesmo só em esquecer
O corpo da Lua, o som do luar.
Tapo os ouvidos e grito depressa
Não oiças e foge já da melodia
Que prende, atrai e que enfeitiça
Ratoeira feliz para a minha alegria.
Tapo o nariz, despeço o aroma
Da brisa que traz perfume de mar
Do cheiro das peles que ficam só uma
Depois de no amor se fazerem trocar.
Fecho bem a boca, mordo o beijo
Que oferecido ontem te quer para sempre
Já que é teu e arde em perpétuo desejo
Este corpo cuja alma também te pertence.
A MINHA ALMA E O MEU CORPO SÃO TEUS.
EMPRESTAS-MOS PARA A VIDA?



08 Maio 2010

06 maio 2010

MEMOGRAFA-ME

Fecha os olhos, esquece o tempo. Dá-me a mão em abraço neste momento. Segue-me o sangue nas veias e gira em mim, no turbilhão, no mar que me inunda o coração. Faz-te sinapse, faz-te consciente, pensa por mim só um pouquinho. Daqui a pouco, chega um sonho no autocarro da meia-noite. E leva-te ao meu lado dormente, por detrás das falésias do medo e do precipício do desconhecido. Com máquina memográfica, tira-me fotografias. À alma, que acorda quando te sente os passos chegar. Usa o flash, que tenho o espírito em contra-luz. Memografa-me, no reverso das tuas pálpebras. Para que me vejas mesmo a dormir. Revela-me na derme, sob a epiderme, para me mostrares do avesso.
Que eu sou Luz, mas sou do contra. Oposto do Céu, Sombra do Sol. Mar em seca permanente, Rio sem margens, Lago sem espelho. Superfície plana em sobressalto, corda tensa, nota pendente do teu toque na minha pele para se soltar música e encanto.
Fecha os olhos, esquece o tempo. Dá-me a tua vida em nós, neste momento. Leva-me girando na tua corrente, vermelha de vida nas tuas veias. Tão plena de nós no corpo que criamos na distância, com pedaços de imaginação colados com cola de paixão e de amor no turbilhão.
Tempo: não te lembres de nós…..
06 Maio 2010




05 maio 2010

VAZIO



Procuro-te
Dou voltas e voltas, contorço-me
Busco-te
Louca já de procura em mim
Onde estás?
Que me viro e reviro do avesso
Onde te guardo?
Em todos os poros da minha pele
Onde te tenho?
Se fecho os olhos e te vejo
Mas o espelho mais não devolve
Do que o reflexo de um beijo
A luz deste desejo que me revolve?
Onde me tens?
Na minha pele cabemos dois
Onde me guardas?
São em coro os suspiros da alma
Onde estou?
Perdida em ti feita nó em nós
Busca-me
Que em ti não me encontro
Procura-me.
Para nos encontrares no tempo sem fim
Sem ti caminho sozinha nos abismos da vida
Sem ti não há arame nem cordas
Sem ti há a queda de braços abertos
VOLUNTÁRIA.
No VAZIO


05 MAIO 2010

QUERO-ME MORRER














Olhei o espelho.
Estava vazio no reflexo
Estava oco no reverso.
Estava… velho.

Tombei no chão.
Estava quente no oposto
Era chama de desgosto.
Estava… vão.

Lancei-me ao mar.
Estava evaporado de mim
Era leito nú, de marfim.
Deixei-me… ficar.

Olhei-me no Ser
Estava pleno, a transbordar
De amor por aceitar.
Quero-me… morrer!

05 abril 2010

03 maio 2010

ÁGUA LUA


As águas aquietavam-se no seu luar
Os girassóis eram vénias, em reverência
Os caminhos abriam-se para deixar passar
Do amor a fina flor, em eminência.
Os olhos de água lua eram encanto
O sorriso, girando ao sol, encandeava
O corpo, frágil e enrolado num manto
Cantava felicidade quando passava.
E ela apaixonada seguia
Vida fora mais um dia
Feliz como jamais deveria
No mundo triste em que vivia….

02 Maio 2010

02 maio 2010

MOMENTO



Pergunta ao mar.

Pergunta ao vento.

Pergunta às árvores.

Pelo nosso momento.

Aquele, do arrepio

Do suor a cair frio

Entre o nosso desvario

Numa gota feita rio.

Dizem-te as árvores.

Diz-te o vento.

Diz-te o mar

Em uníssono lamento:

Que sendo nosso, na verdade,

Foi roubado à plenitude

E agora é só saudade!



2 Maio 2010

01 maio 2010

MÃE


 
Eu sei
Que já é só meu o teu respirar.
Eu sei
Que vês as lágrimas que evito chorar.
Eu sei
Que sentes em mim palavras por soltar.
Eu sei
É hora de adeus, de não mais acordar.

Do fundo dos teus gritos
Foram dois, foram dois!
Entregaste-me a tua alma:
Tanta calma, tanta calma….

Eu sei
Que gritas o meu nome em nome do amor.
Eu sei
Das marcas no teu corpo de meses de dor.
Eu sei
Que aceitas este fim sem medo, sem temor.
Eu sei
Que vou saber a saudade toda – toda – de cor.
Do fundo dos teus olhos,
Fechados – já estão fechados-
Entregaste-me a tua alma:
Tanta calma, tanta calma...

Tu sabes
Que carregar-te comigo não faz desvanecer,
Que sentir-te na sombra não faz encolher
Nos meus olhos a esperança de olhar e ver
O teu sorriso de mim, que não sei esquecer.

Mãe:
Os teus gritos, derradeiros, são agora meus.
E chamam por ti!

01 de Maio 2010