Tinhas um resto de lágrima mesmo por baixo do olhar.
Deixei-a ficar, apesar do movimento da mão direita. Queria afagar-te o rosto e limpar-te todas as lágrimas. Até as que ainda não choraste. Tolhi o gesto a tempo e deixei-me sem que me visses. A ver-te.
De costas, o teu cabelo esvoaçava porque estava vento e desenhava-te um rasto na brisa. Não te via a expressão, só os teus restos, o que deixavas para trás ao caminhar. Vamos deixando cair pedaços de nós quando andamos, para que alguém nos siga e encontre mais à frente no destino. Sabias?
Havia prédios à tua frente, sobrepostos, de janelas escancaradas, marquises fechadas e portas ameaçadoras que pareciam querer engolir-te. Pequena e frágil prosseguias e eu achei que era porque afinal eras forte. Mantinhas a passada e deixaste a urbe partida enquanto seguias inteira.
Entraste num automóvel. Fechaste a porta e a música ganhou-te. Tamborilavas no volante, corpo largado no assento, a cidade longe, lá atrás. O verde cresceu e cercou-te até limpar o Céu e te esgotar a estrada. A pé, por onde passaram outros pés, seguiste em frente sem saber bem porquê. Sentaste-te rente a uma ribeira contemplando-a, embalada pelo movimento incessante da água. O calor descalçou-te e sentiste a frescura do líquido cristalino. Como uma criança, chapinhaste a água com os pés.
Ficaste com uma gota de água no rosto, mesmo debaixo do olhar.
Parecia uma lágrima, que eu sabia que não era.
Deixei-a ficar. Na tua Paz.
4 comentários:
Mais um post lindo, que se lê com o coração.
Beijos.
"Vamos deixando cair pedaços de nós quando andamos, para que alguém nos siga e encontre mais à frente no destino."
Continua a deixar cair estes pedaços de ti, estes magníficos textos...
Gostei imenso. Parabéns pela qualidade.
Beijos, querida amiga.
Folha ante-folha
até ao voo
"Deixei-a ficar. Na tua Paz".
Esta frase final é verdadeiramente contundente!
Belissimo texto.
Beijos,
AL
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