A esta hora não costumo ser tangível. Estico a mão, toco-me mas não me sinto. Etérea, desfaço-me num sopro de ar e deixo-me transportar no rumo dos grãos de pólen.
A esta hora tanto se me dá que os olhos estejam abertos ou fechados. Ignora-os. A realidade que me acolhe não se vê, porque fica por detrás do meu olhar. E do teu.
A esta hora os ruídos são externos, não audíveis. Percebo-os apenas na vibração e na tensão que o seu excesso provoca nos rostos anónimos, que se contorcem sem sequer se aperceberem do desconforto.
A esta hora, sonho. São-me anónimas todas as expressões. Nelas só busco o reflexo do Mundo.
Quando a luz me toca, me olha de frente, me chama num sussurro e ilumina a cara das gentes…devolve-me em reflexo todos os mundos.
No teu sorriso.
...porque as palavras tropeçam em sentimentos e se espalham, prontas a ser levadas pelos caminhos ao sabor das brisas...
30 novembro 2010
28 novembro 2010
SAL
O Sal está quente
Evaporado da água chorada
Em frases desmanchadas
Em letras revoltadas
Quente, o Sal
Fervendo o sol no fogo lento
Cada labareda em lamento
Canta notas de tormento
Estala, o Sal ardente
Ressequido do que não diz
Cercado pelo que não quis
Cristal baço, infeliz
Arde o Sal, afinal
Em fogaréu falho de chama
No fogo gelado de quem chama
A boca quente, que ama
Não faz mal
Que o Sal molhado
Se dissolveria afinal
Nas lágrimas do tempo chorado
Evaporado da água chorada
Em frases desmanchadas
Em letras revoltadas
Quente, o Sal
Fervendo o sol no fogo lento
Cada labareda em lamento
Canta notas de tormento
Estala, o Sal ardente
Ressequido do que não diz
Cercado pelo que não quis
Cristal baço, infeliz
Arde o Sal, afinal
Em fogaréu falho de chama
No fogo gelado de quem chama
A boca quente, que ama
Não faz mal
Que o Sal molhado
Se dissolveria afinal
Nas lágrimas do tempo chorado
23 novembro 2010
DEPOIS
depois conto-te
do arrepio
dos lábios de gelo do rio
no peito feito desvario
depois conto-te
quente de ti
onde te quis e senti
perto, junto, aqui
depois conto-te
de mim
18 novembro 2010
SOMBRAS
À noite as sombras que me carregam no dia escondem-se nos filamentos das lâmpadas. Têm vergonha do breu. Invejam a negritude da noite. Pálidas, encolhem-se nos fios de tungsténio e imaginam que brilham. Opacas no brilho que não é seu, desafiam no seu íntimo o poder absoluto do sono do Sol. Tudo lhes falha. Menos a certeza de que as horas passarão e o seu domínio será reposto.
Os pulsos ficam doridos, os músculos tensos, o pescoço estala. Espreguiço-me e nasce um sorriso num espasmo. Existo. Ninguém me espera, na noite. Ninguém me sabe, no escuro. Ninguém me avista. Nem às minhas lágrimas, se as quiser soltar para que brinquem por entre as tristezas e rolem preguiçosamente pelo meu rosto. As sombras são vergonhas nos filamentos e o tungsténio protege-me. Não tenho que ser. A não ser o que quer que seja.
Quando amanhece e a luz me encandeia mesmo por detrás das cortinas espessas e corridas, a respiração tolhida assinala o regresso. Já nem luto contra o aperto dessas algemas invisíveis, não me lamento das correntes que arrasto nos tornozelos arranhando o chão num silêncio que só me ensurdece a mim. Já nem sei ser. Sei apenas o que tenho que parecer. E que quando a noite voltar, tenho que deixar a luz acesa. Para que as sombras descansem.
Os pulsos ficam doridos, os músculos tensos, o pescoço estala. Espreguiço-me e nasce um sorriso num espasmo. Existo. Ninguém me espera, na noite. Ninguém me sabe, no escuro. Ninguém me avista. Nem às minhas lágrimas, se as quiser soltar para que brinquem por entre as tristezas e rolem preguiçosamente pelo meu rosto. As sombras são vergonhas nos filamentos e o tungsténio protege-me. Não tenho que ser. A não ser o que quer que seja.
Quando amanhece e a luz me encandeia mesmo por detrás das cortinas espessas e corridas, a respiração tolhida assinala o regresso. Já nem luto contra o aperto dessas algemas invisíveis, não me lamento das correntes que arrasto nos tornozelos arranhando o chão num silêncio que só me ensurdece a mim. Já nem sei ser. Sei apenas o que tenho que parecer. E que quando a noite voltar, tenho que deixar a luz acesa. Para que as sombras descansem.
07 novembro 2010
INSÓNIA
Tento escrever nas paredes da insónia. Erguem-se brancas, desafios lívidos aos meus cinzentos. Quatro paredes a caminho de um fim que não se vislumbra porque não tem tecto, a insónia. As linhas rectas das intersecções perdem-se na bruma da memória que se desfaz no nevoeiro eterno que existe no fim das noites que se não dormiram.
Até na horizontal, quando me viro e o colchão geme e se queixa, permanecem indefectíveis, hirtas, pedantes. E brancas. Como folhas de papel imaculado, virgem. Uma oração errada, uma vírgula mal colocada, um ponto final precipitado ou tardio – máculas. Atiro as palavras mas ordeno-lhes que regressem antes de se abraçarem à cal.
As paredes da insónia queimam as palavras perdidas na sua verticalidade cáustica. E assim permanecem alvas, as quatro, parecendo por vezes que me esmagam durante o sono, se ele vier. Nunca vem. Mas se vier…
E escrevo-lhes. Agora que me apercebo que jamais terei coragem de arriscar frases na sua superfície acusadora. Escrevo-lhes numa película com que as forrei. Consciência. Ou dito cartas de memória. Para que me oiçam, já que temo que me apaguem as palavras.
A insónia observa-me, directamente de dentro de mim. De uma profundeza mais densa, como se houvesse um abismo dentro de cada um de nós e a insónia estivesse escondida nas suas entranhas. Sabe-me de dentro para fora. Sabe-me mais do que eu própria.
Por isso as paredes não terminam e me anulam. Porque não sabem onde acabo.
Nem eu.
Até na horizontal, quando me viro e o colchão geme e se queixa, permanecem indefectíveis, hirtas, pedantes. E brancas. Como folhas de papel imaculado, virgem. Uma oração errada, uma vírgula mal colocada, um ponto final precipitado ou tardio – máculas. Atiro as palavras mas ordeno-lhes que regressem antes de se abraçarem à cal.
As paredes da insónia queimam as palavras perdidas na sua verticalidade cáustica. E assim permanecem alvas, as quatro, parecendo por vezes que me esmagam durante o sono, se ele vier. Nunca vem. Mas se vier…
E escrevo-lhes. Agora que me apercebo que jamais terei coragem de arriscar frases na sua superfície acusadora. Escrevo-lhes numa película com que as forrei. Consciência. Ou dito cartas de memória. Para que me oiçam, já que temo que me apaguem as palavras.
A insónia observa-me, directamente de dentro de mim. De uma profundeza mais densa, como se houvesse um abismo dentro de cada um de nós e a insónia estivesse escondida nas suas entranhas. Sabe-me de dentro para fora. Sabe-me mais do que eu própria.
Por isso as paredes não terminam e me anulam. Porque não sabem onde acabo.
Nem eu.
02 novembro 2010
ESTILHAÇO
A noite soprava gelada
-Tinha que ser abaixo de zero-
O sopro do vento escuro,
O gemido por detrás do muro
Alto e denso do nada.
A noite gemia aguada
Tinha que ser assim líquida
A pele da lua límpida
Branca e alva, lívida
Sempre ali e tão perdida:
A minha voz na noite molhada
Na noite escura, encharcada
Falava-te língua de lágrimas
Feitas cristal, feitas no gelo
Vidro soprado do frio da alma
Falava-te no reflexo do granizo
Pingando no vazio - quase estilhaço-
Buscando-te para se derreter
Para se desfazer no teu regaço.
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