...porque as palavras tropeçam em sentimentos e se espalham, prontas a ser levadas pelos caminhos ao sabor das brisas...
19 setembro 2010
SÓ ESTOU SÓ
Só.
Só estou só.
Nada demais.
Não treme a terra, não se agitam os céus, não se rebela o mar. Os dias são iguais. Os meus e os alheios. Os meus são só dias sós. Os de alguns dos outros também. Mas a solidão não se consola, mal se reconhece de dentro das cápsulas em que nos enclausura. Outra que não a minha, não é sequer. Só sei o que conheço. Ou reconheço.
Nada demais.
A não ser o som de todos os que me rodeiam. A não ser o toque de cada beijo, o peso de cada abraço, a cadência que os passos imprimem à mão da criança que levo diariamente à escola. Vivo no restolho das vidas que de mim esperam vida.
Só estou só.
Tão só esse facto invisível e refutável. Porque a invisibilidade legitima a ignorância. Pode-se fazer de conta que se não vê. Poder-se-á fingir que não se percebe o automático dos dias? As vinte e quatro horas quadriculadas num horário obrigado em jeito de normalidade? Engrenagem sem óleo, dobradiças que rangem, metal que chia… Lubrifica-se a alma?
Só estou. Só.
Vou estando. Muda por cima das minhas palavras, surda sob todos os sons, cega dentro do meu olhar. O beijo menos molhado, o corpo menos suado, o prazer fotocopiado dos dias em que era partilhado. Não se distingue o original da cópia decalcada onde as marcas do papel químico gritam aos olhares desatentos que se tocarem a folha com o dedo o sentimento se esborrata?
Nada demais.
Só estou só.
Só.
Redutora, reduzida, sílaba única, perfeita para encarcerar esta singularidade em forma de jaula. Palavra sem fuga: «só». Acentuada. Acentua-se a cada minuto em mim. Espreito os outros nos sorrisos que se oferecem quando comungam um olhar. Sei que sabem sentir a presença de quem amam na ausência. Entendo até o conceito. Esses sorrisos desviam-se de mim quando me aproximo. A solidão é repulsiva.
E carcereira das almas vazias de almas alheias.
Por isso é só solidão. Nada demais. Não treme a terra, não se agitam os céus, não se rebela o mar.
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6 comentários:
Não estás só...apenas exerces o direito de reflectir...sabiamente...com humildade...coisa rara nos tempos que medeiam...
Beijinho!
Não acredito que te sintas só.
Por muitos motivos que não vou enumerar e porque tu és boa companhia de ti própria.
Querida amiga, boa semana sem solidão.
Beijos.
OUTONO: é isso mesmo querido amigo. Não estou só. Este texto é a resposta a um «desafio» de escrever sobre a solidão.
Procurei o meus - também os tenho - e reflecti, como dizes.
Beijinhos
NILSON: não estou só, amigo, claro que não. Este texto é um exercício sobre a solidão, uma reflexão sobre o estar só. Misturei os meus momentos de solidão e os de outras pessoas.
Só isso.
Beijinho, querido amigo.
Cheguei tarde... tenho a opinião de quem me antecedeu.
Tu NUNCA estás só. Eu sinto!
Beijo.
Por vezes é um desejo incomensurável - estar só
mas nunca isolado
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