23 outubro 2010

DIAS



Gosto daqueles dias
Que são dias de qualquer coisa
Que não são simplesmente
Dias de nada
Dias de lavar as cortinas
Dias de cortar a relva
Não são simplesmente
Nadas no dia
Dias de almoçar em família
Dias de ir ao cinema
Qualquer coisa nesses dias
Os liberta do nada
Dias de ir passear,
Dias de ir à praia
Dias com qualquer coisa
De que se goste
Cheios de tão pequenos nadas
Tão mais plenos do que aqueles
Cheios de tanto e de tudo
Que se esvaziam da possibilidade
De se fazer apenas qualquer coisa.

17 outubro 2010

ENTRA


Entra
Mas fica quieto
A casa ainda está deserta
O silêncio ainda a tem
Ainda não sabe que vens
Senta-te
Aquieta-te
As sombras ainda conversam
O silêncio não as incomoda
Ainda não sabem que vens
Espera
Sossega
O cheiro ainda tão fresco
Do corpo ardente, usado
Cola-se às cortinas, entranha-se
Ainda não sabe que vens
Dorme
Acorda
No sonho de sempre para sempre
Irreal na vida que mais não é
Que a triste ditadura da loucura
Ainda não sabe que vens

Não saberá - jamais - que te foste...


08 outubro 2010

Das palavras, a alma



 
Se as palavras
A não tivessem
Bebê-la-iam
Dos teus olhos
Quando as lesses.
Cruza a tua alma com a delas
Desfaz as linhas paralelas
Entra em choque com elas
Carrega-as em cruz
Crava-as na memória
Como tachas brilhantes
Cujas farpas só se adivinham.
Se a não tivessem,
- as palavras-
Terias que chorar
Para que a aprendessem
No reflexo das tuas lágrimas
E a reclamassem sua
Até ao fim do tempo.