29 junho 2010

A NOITE ERA SILÊNCIO EM TI

A noite era silêncio em ti. Respirava-te as expirações, alimentava-me dos sorrisos que já não querias. Que transpiravas. E deixava-me estar, colada e sem peso, no teu sono macio… Encostava-me aos teus sonhos e tentava adivinhá-los pela expressão do teu rosto adormecido.

A noite era grito em mim. Emprestada de curiosidade, subia-me para o colo e dividia-me os pensamentos. Insinuava-se na atenção que te prestava e partilhava o desvelo com que te acariciava. Negra de tristeza, alimentava-se do sorriso que me roubava. E eu, despojada e nua, deixava-me estar, entretida em cada capítulo dos teus sonhos. Ou tomada pelo pânico dos teus pesadelos.

A noite roubava-nos os mistérios. Que me sabias acordada e em fuga da luz do Sol. Que te apercebias da insónia nas dobras e nos vincos do lençol que encontravas abandonado de manhã. Que a preferias, ao reflexo das minhas lágrimas. Que me deixavas, a cada luar volvido e ainda não o sabias.

A noite fez-te a mala. E disse-me adeus por ti, com todas as vírgulas da conversa que não tivemos. Com toda a coragem que a cobardia te substituiu. Com todas as dúvidas que não quiseste ter. E fez-te passos porta fora do quarto onde me entregavas sonhos e pesadelos. E fez-te silêncio para não me acordares ao sair. Na primeira vez em que não foi grito em mim. E te deixei partir.

28 junho 2010

ÚLTIMA PÁGINA

Agora - que precisas tu - sou eu que te abraço.
Deixa-te ficar no meu colo imaginado.
Sente só a ternura da minha voz enquanto respiro.
Apaga do mundo as sombras, acende todos os candeeiros
Abre todos os livros na penúltima página
Sente o desfecho da história, apanha-lhe o ritmo
E rasga a folha derradeira, apaga o final
Esquece mapas, caminhos, rotas ou destinos
Despe-te e sente o vento gelado na praia vazia
Estás ao meu colo, mas tens a alma solta
Mergulha na onda que - sabes – te vai enrolar
Salta para o vazio só para te sentires planar
E deixa que a copa das árvores te acolha ao chegar
Perdeste a folha? Roubaste o fim ao livro?
Triste sina … terás que viver para o terminar…

26 junho 2010

MINÍMETROS

Àquela hora as sombras estavam quietas. Ficavam assim, quando a noite se aproximava, em reverência. Àquela hora não havia tempo. Porque os relógios paravam e deixavam-se estar, cansados. Àquela hora os demónios libertavam-se e devoravam mundo são, tragavam-no, sorviam-no, encurtavam-no.
Nas horas, evaporava-se o tempo. Via-se vapor de segundos, sentiam-se nuvens carregadas de minutos no branco desbotado do tecto. Nunca se precipitariam e não cumpriam o ciclo da água. Acumulavam-se numa nuvem de chuva, ameaçando ocupar todo o espaço. Molhando-o quando lhe devolvia lágrimas. Atordoando-o quando lhe sussurrava gritos, restos de lamentos que, de indistintos, conseguiam ser ainda mais angustiantes.
Os milímetros alinhavam-se numa nova escala. encolhidos, duplicando a sua insuficiência. Era falta, o espaço. As dimensões encontravam-se na medida em que o espaço físico diminuía todos os dias – assim parecia – e o emocional esticava por corredores e câmaras escavadas numa dimensão que desconhecia. Feita de minímetros: milímetros mínimos.
Em cada minímetro sufocava. Asfixiado mais em si do que na falta de espaço. Em espirais que atravessavam as linhas rectas da lógica, deixava-se vergar à forma da interrogação. Corcunda do peso, queixo quase no chão. A dúvida precedia a inexorável certeza: os minimetros estavam a abarrotar de tempo. O tempo que lhe roubavam e enclausuravam na sua pequenez ampliada.
O tempo dos desenhos que traçara no lençol do sonho, com pincel molhado em água. À contra-luz, foram possíveis e existiram. Não fora o vento vir e secá-los deixando o pano alvo e vazio retesar-se a cada capricho do vento e render-se, fibra a fibra, ao Sol inclemente. Um dia rasgou-se, desistiu fibra a fibra, soltou-se das molas carcomidas e ganhou uma liberdade moída pela ignorância do destino. Nesse dia o seu horizonte tingiu-se de uma quadrícula, de uma rede que o Sol não queima e o vento não faz abanar. De onde não lhe saía o olhar.
A janela moldava a luz, logo pela manhã, quando aquela se queria partilhar. Cortava-a e oferecia-lha multiplicada em nove. Ou dividida… Olhava, impassível, o debandar das sombras. Sabia que os gritos que elas carregavam se iriam também. E que a campainha tocaria nas rotinas e as faria arrancar. Que a porta se abriria para minímetros maiores e partilhados. À força. Que um número se multiplicaria sem alterar o resultado da operação: sempre Zero. E que o tempo continuaria a avançar em sentido contrário. Tão perto e tão longe.
Um dia fez amizade com as trevas. Ganhou intimidade com as sombras, ali paradas nos intervalos dos relógios. Com os demónios que afinal eram seus e não o deixariam jamais. O lençol que outrora pintara de vida e esperança serviu de testemunha quando o corpo se esticou para fora da dúvida. Que a luz da manhã revelou, sempre partida em nove.
Nove fora nada.

23 junho 2010

SOU

Sou espaço em ti que não sabes preenchido
Sou sombra de sol a pique num dia inventado
Sou braços em cadeado num abraço perdido
Sou luz que se nega num candeeiro apagado.
És verdade ao contrário num universo invisível
És pó de ser que chuva e mar não sabem lavar
És um resto de vida, uma verdade impossível
Poderosa conjugação do meu verbo amar.

22 junho 2010

LAVA-ME OS PASSOS


Lava-me os passos
Espuma branca
Pedaço de nuvem
Caído do Céu
Batida nas rochas
Cansada de chão
Sujos, os passos
Fecho e tranca
Na alma de alguém
Que te sabe seu
No vazio das conchas
E na palma da mão.
Lava-me os passos
Afoga-me de abraços
Ata de novo em laços
Os vazios e os espaços
Espuma branca
Resto de onda
Volta, encanta
Diz onde anda
A alegria de ser
Feliz só por saber
Da magia de te ter….

21 junho 2010

PASSOS MANSOS

Segura-me o braço ao alto, faz-me rodopiar!
No jeito do pulso percebo o momento
E em caleidoscópio mando o mundo girar
Na barra da saia em que faço dançar
A espuma das ondas e o sorriso do mar.
Ergue-me nos braços e lança-me ao ar!
Solta, bem alto, vou fundir-me no vento
À gaivota que plana vou pedir-lhe o voar
E a nuvem preguiçosa afasto para passar
Que é tarde na vida e é tempo de pousar.
Enlaça-me a cintura, ajuda-me a deitar…
No caminho da luz que não vejo e invento
À medida que o tempo quiser e teimar
Sempre que os dias decidirem acabar
Sem ouvir os teus passos mansos a chegar…

17 junho 2010

PUXA


Puxa! Aí! Sim, essa ponta!
Puxa de repente quando eu menos esperar.
E desenrola-me os sorrisos.
Puxa de mansinho, bem devagar.
E estica-me os segredos.
Puxa aos safanões, sem hesitar.
E sacode-me os medos.
Puxa com delicadeza mas sem parar.
E vai-me desenrolando na vida…

16 junho 2010

VULCÃO


No horizonte estava frio.
Puxei as pontas do arrepio
E cobri-me de desalento:
Gelou o Mar num momento.
Queria chorar-te em fio
Nas águas inversas do rio
Que trago corrido para trás:
Para a frente não sou capaz…
No Sol nascido estava calor.
Despi a pele e fiz-me nua
Dos vícios mundanos do amor:
Carne em chama, toda tua!
Cratera que sou de um vulcão
Fundo-me na lava dormente
Ofereço-me, rubra de paixão
À terra líquida, incandescente.
No teu sorriso havia alegria.
Quando o vulcão se acendia
Com um beijo derretia o Mar
E com outro se fazia amar….

14 junho 2010

MIL ANOS


Mil. São os anos, a pingar.
Gotas que deixo passar
Na malha apertada de mim
Tecida no gesto de dar
Pedaços de alma no olhar:
Porque só sei amar assim

Mil. São os anos, enrolados
Nos fios dos meus cabelos
Despedindo-se da cor
E ainda assim cansados
No beijo da brisa, amados
Tão à revelia da dor


Mil. São os anos, vencidos.
Que os ofereço, vividos
Ao tempo que os deseja
Ficam os dias perdidos
Nos arrepios esquecidos
Em que o passado me beija

Mil. São os anos, já memória
Que constarão da História
Daqui ao tempo – tão longe –
Em que seremos só glória
Mágica celebração da alegria
Com que nos amamos hoje…

Obrigada. Pelo poema devolvido...

12 junho 2010

BRINQUEDO PREFERIDO


Ontem. Foste-me sem pedir, fizeste-me sem avisar, içaste-me até ao Céu e deixaste-nos lá ficar. Fechaste-me os olhos com os teus, selaste-me a boca na tua, colaste-te à minha alma nua. Inventaste o som que faltava, nas cordas que foste encontrar no meu corpo esticado ao luar. Deixaste-te chegar sem voltar e ficaste suspenso no ar no momento que era de poisar. Ardeste na vela sem pavio, à brasa deixaste o frio, fogueira só nossa, ardida na paixão consumada.

Ontem. Na ilusão de te ter deixei o tempo perder-se, não lhe dei horas para regressar. Vi ao longe, num momento, condensar-se o firmamento num eterno juramento: prometia o Céu às estrelas que se o não conseguissem ver, ainda assim era delas. Vestida de noite e de ânsia, peguei-te na mão, qual criança e disse-te: anda brincar. Vi-me brinquedo preferido, já todo gasto, partido, de que te não sabes separar. Fiquei no chão, a voar.

Ontem. Foi um dia que desceu até ser noite no chão. Para se fazer leito de campo com lençol furado, oferecido à luz da manta que nos aquecia e brincava com a escuridão. Era de amor, o colchão. Cúmplice dos corpos à descoberta do momento em que se esgotam, em que se gastam de se dar. Do êxtase em que se trocam. Da impossibilidade de se voltar...

Ontem. Chegou-me até hoje num gemido, um barulhinho sumido. Disse-me ao ouvido que lhe parecia que tinha acontecido algo, que tinha sido perfeito, maravilha sem igual. Disse-me da magia impossível que fica marcada no espanto dos momentos feitos de encanto. E entregou-me uma lágrima, resto chorado de amor feito e refeito: infinito.

Hoje. Abraço o ontem do céu onde ficámos a sós e onde deixamos o nós para os dias infinitos. Hoje visto a alma na rua e - longe a boca da tua - digo bom dia, bom dia! Os passos devolvem-me eco sem beleza ou melodia e recordo a música que ardia quando nos embalava a magia. Passo por ti. A mão estende-se mas não traz a tua até à brincadeira. As horas gritam «saudade». A vida grita «espera».

Consolo-me com o reflexo que me devolve o espelho do ar gasto e meio partido de brinquedo preferido...



11 junho 2010

COLO



Despeja o olhar no meu colo
E deixa a alma descansar
Deixa os braços tombar
Deixa o sorriso poisar
No colo do teu olhar.
Faço-me forte sem ser
Sou gigante sem querer
Braços abertos para ter
Colo doce para oferecer
Despeja o olhar no meu colo
Que o sorriso encontra par
E as lágrimas podem ficar
Mesmo que queiras voltar
E não as queiras levar.
Guardo-te o corpo a tremer
Deixa o sangue aquecer
Nas minhas veias correr
Para depois to devolver…
Despeja o olhar no meu colo
Quando a alma recuperar
Uma manhã, ao acordar
Estarás completo a sonhar
Uma canção de embalar.
Feliz de mim se me amares
Se do resto te esqueceres
Se do Mundo te perderes
E no meu colo te deixares…
Despeja-me a alma no olhar…

08 junho 2010

HOJE

Hoje,
Vi uma teia esticada ao vento
Brilhando de Sol feito reflexo
Oscilando, côncava, do movimento
Das pessoas que só têm lado convexo
Ao deambular errantes pela vida
De olhos fechados, embora abertos
Sem alma e de expressão desaparecida
Sem mapa ou caminho dos sentimentos.
Hoje,
Ainda madrugada, saí à rua
Olhos abertos por entre o sono
Colou-se-me ao rosto uma teia - a tua
Feita de palavras, beleza e sonho!


Nilson: obrigada. Pela inspiração.

07 junho 2010

AO LUAR

Ao luar
Bateste-me à porta,
Pediste-me para entrar
Dei-te como resposta
O meu respirar
Ao luar
Invejou a madeira
Esse amor oferecido
E encontrou maneira
De o manter escondido
Ao luar
Foi-se-me a calma
Que não te senti voltar
Respiro com a alma
Até te encontrar
Ao luar
Preparo um grito
Para o teu regressar
E em ânsia me agito
P’ra te mandar entrar….
Ao luar
Que a porta se foi
Que a madeira queimei
Que tudo me dói
Porque não gritei!!!
Ao luar
Guardo em tesouro
Cada inspiração
Enquanto te espero
Vida minha, de paixão!


06 junho 2010

PLANÍCIE

Os minutos caiam-lhe sobre o rosto um a um. Cravavam-se-lhe. E mordiam-na. Mal sobrava espaço para as lágrimas, que rolavam e desenhavam no chão poeirento um pontilhado de horror. Que o Sol inclemente tratava de apagar rapidamente – não fosse o Mundo descobrir…

A expressão ficou lá atrás, antes do trilho pingado. E na cara trazia um vazio, onde tudo cabia, onde se podiam escrever os diários de toda a gente do planeta. E ainda assim sobraria espaço branco, como uma folha que se oferece à tinta da esferográfica.


Branco, branco, branco. Procura o branco, imaculado, com o olhar negro, que traz pesado. Branco! Uma nuvem que fosse, no horizonte que foge ainda mais do que ela. Uma flor, uma cegonha de asas alvas… Resta-lhe o dos olhos. Mortiço, carcomido pela escuridão da alma que se lhe derrama do olhar.


Em frente. Olha em frente, e caminha num movimento perpétuo e inexistente. Que se tem caída, pernas nuas sobre o resto da seara, testemunha sibilante, cúmplice só por estar ali naquele momento. Por entre a ondulação que o vento ordena, as espigas tentam afagar-lhe os cabelos e o sussurro é afinal canção de embalar. Para abreviar os minutos que agora se lhe espalham pelo corpo todo, mais, muitos, tantos! Sangra….


O sangue ofende a terra de pó, nascida de caules dourados e vestida de luz e do verde das daninhas que as mãos já não mondam. Vermelho, o Sol não o apaga, mas o tempo tratará de o absorver, de o fazer pequeno, inexistente. Bebido pela terra, sobre ele não vingarão sementes. Ou – se alguma se atrever – morrerá à nascença. Ressequida. Numa expressão de folha de papel que rejeita palavras que não sejam verdade.


Os cabelos, desmanchados, juntam-se à seara na dança da brisa e cortam-lhe o olhar. Sem o perturbar, fixo que está. Lá ao fundo, no horizonte que não pode ver por entre o mar dourado que a esconde, que tudo esconde, que esconderá quem a desmanchou e ali a deixou. Lá ao fundo, no fundo de trás, deixou-se quase inteira. Só trouxe as lágrimas que não quiseram ficar. E o sangue, que a persegue, que a obriga a enfrentar a luz do dia que encandeia na busca do branco da vida. Enquanto se lhe acinzenta o mundo.


Os girassóis, metros atrás, bocejam e denunciam. Mas só a chegada da noite. Que não podem gritar «horror»! Que não podem escrever «horror»! Que não se podem fazer leito para a carregar até à beira da estrada, para que a vejam e a acudam. Os girassóis obedecem cedo demais à noite que se aproxima, cabisbaixos com o Sol bem alto. Envergonhados que estão. Chocados até lâminas motorizadas lhes darem destino igualmente cruel. Agradecidos pelaa memória que não têm.


As formigas, gulosas do sangue, juntam-se aos minutos. E invadem-na. Descobrem-lhe o corpo violado, espancado. A metros de distância da alma já morta. Arrastou-se e no rasto de sangue desenham auto-estradas. Picam-lhe o corpo massacrado dos minutos, procuram-lhe lágrimas para beber, o sangue já todo do chão.


Passou uma nuvem solitária. E no branco do algodão – com o derradeiro olhar - ensopou a alegria da menina que só foi correr pelas searas e que se deixou deslumbrar pelo mar de papoilas vermelhas lá num fundo mais distante. A planície está agora plana de silêncio. O vento passa a mão pelas espigas, pelos girassóis, verga-os e ordena irado: deitem-se! Para que se veja…


O vestido branco rasgado de mãos, a carne jovem rasgada de horror, o corpo ensanguentado rasgando a planície e a papoila – ainda na mão – murcha de tempo que cai em minutos. Sobre o rosto sem expressão. Que até as formigas deixam na Paz da vida que se foi….

03 junho 2010

CRIANÇA

Inspiras e o ar faz-se gargalhada
Mesmo que o soltes sem consciência
Mesmo que queiras fazê-lo suspiro
Tens essa alegria fresca, imaculada
Feita da paz, de amor e dessa inocência
Que ainda recordo, à qual não aspiro.

Olhas e o mundo ainda é transparente
Mesmo sob o fumo denso que cega
Mesmo que não se veja a esperança
O teu olhar puro ainda vê diferente
E – efémero que seja – ainda chega
Para partilhar um sorriso de criança!

02 junho 2010

ANDO RECUANDO

Ando recuando porque afinal...
Vivo na memória do futuro,
Num limbo palpável, mas irreal
Numa luz viva que destrói o escuro
Mas...
Ando para trás pensando avançar
Vivo no futuro incerto das memórias
Na impermanência que sei aceitar
Na espera das noites, durante os dias.
Mas...
O futuro - rico - carrega lembranças
Hoje - agora - vê-se já o dia novo
Está imenso, alimentado de esperanças
Que a cada ontem passado renovo.
E...
Ando. Recuando?
Mas nunca parando!
Jamais desistindo.
Sempre caminhando...