A noite era silêncio em ti. Respirava-te as expirações, alimentava-me dos sorrisos que já não querias. Que transpiravas. E deixava-me estar, colada e sem peso, no teu sono macio… Encostava-me aos teus sonhos e tentava adivinhá-los pela expressão do teu rosto adormecido.
A noite era grito em mim. Emprestada de curiosidade, subia-me para o colo e dividia-me os pensamentos. Insinuava-se na atenção que te prestava e partilhava o desvelo com que te acariciava. Negra de tristeza, alimentava-se do sorriso que me roubava. E eu, despojada e nua, deixava-me estar, entretida em cada capítulo dos teus sonhos. Ou tomada pelo pânico dos teus pesadelos.
A noite roubava-nos os mistérios. Que me sabias acordada e em fuga da luz do Sol. Que te apercebias da insónia nas dobras e nos vincos do lençol que encontravas abandonado de manhã. Que a preferias, ao reflexo das minhas lágrimas. Que me deixavas, a cada luar volvido e ainda não o sabias.
A noite fez-te a mala. E disse-me adeus por ti, com todas as vírgulas da conversa que não tivemos. Com toda a coragem que a cobardia te substituiu. Com todas as dúvidas que não quiseste ter. E fez-te passos porta fora do quarto onde me entregavas sonhos e pesadelos. E fez-te silêncio para não me acordares ao sair. Na primeira vez em que não foi grito em mim. E te deixei partir.