31 dezembro 2010

TEMPO


Sabes que amanhã é apenas um resto incumprido de ontem?

Sabes que hoje ainda tens um pé no passado porque é lá que te deixas todos os dias antes de inventares coragem para te descobrires no amanhã?
Sabes que as horas e os dias são bolas de algodão para nos amortecer o medo do desconhecido?
Sabes que o tempo não se parte nem se divide, porque é muito mais inteiro do que tu ou eu ou toda a gente?
Sabes… dizem que hoje é véspera de um Novo Ano, que se vira a folha quadriculada com números de uma coisa a que chamaram calendário.
Se souberes que o tempo não te teme, que te acolhe pleno de lições e vida e amizade e ternura e amor– desde que os saibas distinguir e viver! – pega na folha, abre o champanhe e deixa que o fogo de artifício te deslumbre.
Só não deixes que o tempo te assuste: é que não há tempo para ter medo de viver!


Feliz 2011

29 dezembro 2010

MULTIDÃO



Desata-me o vestido nos ombros
(tem dois laços de fita de seda)
E abraça-me.
Não estranhes se o corpo devolvido
For apenas o teu
Que me desfaço – nua – em teus braços,
Volatizo-me, plena,
Ergo-me bruma de mim,
Gasosa, leve, etérea
Só com a ideia de te saber perto.
Guarda os braços no gesto
E espera que a felicidade me resgate,
Que o desejo me aglutine na atmosfera
E me devolva o corpo fugido atrás da alma.
Guarda-te no sentimento e espera.
Para além da dormência, do cansaço.
Ignora o desconforto da posição:
Fecha os olhos!
Sentes?
É a minha boca na tua
E a pele quente que sua
Enrolada nesse abraço
Que o tempo não desfez.
Depois da paixão que deixamos
(transpirada)
(desvairada)
(nunca saciada)
No meu vestido de alças de cetim,
(lençol improvisado de hoje
E resto de nós em cada chão)
Pego-te na mão:
Quero levar-te comigo
Para o meio da multidão.

22 dezembro 2010

FELIZ NATAL

Feliz Natal!
Que a crise seja mesmo só de bens materiais.
Que a crise na carteira sirva para evidenciar os verdadeiros tesouros desta quadra: carinho, amor, partilha.
E que os tesouros desta quadra durem para o ano inteiro no coração dos Homens.

Boas Festas!

G...

08 dezembro 2010

PAPEL QUÍMICO


Químico. O amanhã.
Desenhado na folha branca de hoje. Com uma folha fina coberta de pó negro de um dos lados por baixo. Faz barulho ao ser retirada da caixa em que se compram muitas. Servem para duplicar os dias. Porque tem que haver sempre mais um senão não havia amanhã.
Químico. O hoje.
Esqueci-me que nos amanhãs se tem que andar sempre com pezinhos de lã. E apeteceu-me dançar, correr, saltar e derrapar sem pensar em mais nada. Até fiz o pino! E então vi as mãos mascarradas. Parei de saltitar sobre o borrão em que transformei o meu dia. Os traços do papel químico são frágeis. Não suportam euforias.
Químico. O depois.
Este hoje é indistinto. Não sobraram riscos inteiros de ontem para repetir, para duplicar com a mão firme de quem repete um desenho pela milésima vez. Passou a mancha que sobrou da minha alegria imprudente. Sombras e nuvens desordenadas. Nenhum começo e nenhum fim. Hoje, nem alegria, nem rumo. Só um quase nada. E eu.
Químico. Para sempre.
Estão-se a acabar as folhas de papel químico. As que já foram usadas deixam falhas mesmo sob os traços firmes de régua, mesmo sob a fúria da esferográfica. Tornam os dias seguintes cada vez mais imperfeitos. Com hiatos nos momentos importantes, com ausência de momentos importantes. Mas não compro outra caixa. Um destes dias ganho coragem e deixo o próximo dia em branco. Em vez de desenhar o depois, tento ver-me no antes.
Químico. Ou talvez não.
Talvez me reconheça.
Talvez renasça.  

04 dezembro 2010

ADORMECER


adormecer no meio das flores.

sonhar nelas, com elas,

entregar-lhes sono e sonhos...

colhê-los perfumados ao acordar

respirar... RESPIRAR… respirar

adormecer na sombra macia

de pétalas e folhas e cores

voar nos pólens de mão dada

deixar-me ficar e ser beijada

respirar… RESPIRAR… respirar

adormecer sobre terra quente

soltar-me dos fios e amarras

ficar só carne e pele no chão

o espírito a cavalgar liberdade

repirar … RESPIRAR… respirar