28 agosto 2010

CHEGASTE-ME LÁGRIMA

Mergulhei e senti o sabor salgado.

Tive que me habituar devagarinho até conseguir abrir os olhos para te ver turva, desfocada. Até o sorriso trazes ao contrário. As roupas não combinam e os sapatos são diferentes. Não te encontro o olhar e não trazes brincos…. Olhas para trás, sempre para trás e começo a desconfiar que tens um torcicolo.

A tua voz chega-me distorcida, mas vejo que os lábios se mexem. Sinto-te, sem te ouvir, contudo. Talvez mais até do que se o som me chegasse cristalino. Porque as palavras estragam muito o sentido do que queremos mesmo dizer. E sem querer quase te digo para parares de sentir. A única forma de parares de sofrer.

O abraço que me dás cola-se à pele para além do tempo que nele permanecemos. És tanta nesse abraço. Fica tanto de ti em mim. E assim partilho a angústia do teu corpo e a sede do corpo que jamais se apartará do teu, do corpo que queres que se faça três. Um dia, num grande talvez.

Onde deixaste as pulseiras, porque tremes de frio neste sol de Agosto? O cabelo perdido os ombros quebrados, o rosto escondido, os olhos molhados? Quando te beijei e disse até breve esperava-te inteira, chegas-me partida. Por onde andaste perdida? Onde te encontro os pedaços, como te encontro espalhada na tristeza que trazes colada?

Mergulhei-te e senti-te o sabor salgado.

Agora vou recolher-te num abraço apertado.

Chegaste-me lágrima, irmã. Vou só à tua superfície, porque preciso de respirar.

Volto já….

24 agosto 2010

FLOR EM TI


 
Anoiteci no canto

Canto de vida no ângulo recto

Canto trinado do beijo incerto

Canto perdido no som do deserto

Anoiteci ao canto

Que se adivinha depois da esquina

Que se desenha na voz divina

Que canta e me beija, menina

Anoiteci e canto

Com voz escondida uma canção

Notas escritas só de emoção

Pauta de desejo e de paixão

Anoiteci

Flor

Em

Ti

20 agosto 2010

A SOMBRA DO REDEMOINHO



A sombra do redemoinho
Chegou-se e ficou de mansinho
Na rua onde gasto os passos
E onde escondo os abraços
Nas juntas que separam a calçada
No negro que pinta a estrada
E deixou-te ficar sozinho
Mesmo ao lado do caminho.

Redemoinhas nas sombras
Enrolado ergues-te e tombas
Mãos estendidas em pedido
No vento que te leva perdido
Corpo tenso, corpo crispado
Olhar quase vazio, assustado
Pensa que quando me abraças
E o vento acalma, tu descansas

Dá um passo meio ao lado
Das linhas do teu passado
Rompe o vento em furacão
Grita bem fundo um «não»
Acende as sombras que giram
Não vês que elas te admiram?
Tens o caminho traçado
À espera de ser palmilhado.

17 agosto 2010

É TEMPO DE SER AGORA


Respira-me a tempo
De me cantares na alma
De me tocares na corda
Da viola no teu colo

Teima-me no olhar
Para além do beijo
No corpo só desejo
E fúria para te amar

É tempo de ser agora
É tempo de ter passado
O tempo está estragado
Avaria-se a cada a hora
Que passo longe de ti,
Que passo longe de ti…

Desfaz-me os passos
Pelo caminho certo
Desmancha o aperto
Guarda-o em abraços

Inventa-me em código
Traça linhas e riscos
Desfaz-te dos labirintos
E anda ter comigo

É tempo de ser agora
É tempo de ter passado
O tempo está estragado
Avaria-se a cada a hora
Que passo longe de ti,
Que passo longe de ti…

Resiste neste presente
No de hoje e de ontem
Ás desditas que se sentem
Nesse teu corpo ausente.

Oferece-me um passado
Nas palavras de quem diz
Saber que quer ser feliz
E num segundo ser amado

É tempo de ser agora
É tempo de ter passado
O tempo está estragado
Avaria-se a cada hora
Que passo longe de ti,
Que passo longe de ti…

15 agosto 2010

VIDRAÇAS




Daqui, de onde estou, vejo a marca nas vidraças. Densa de bruma que se esvazia lentamente. Até ser marca nos vidros de novo. Até se desvanecer outra vez.


Sentada, na mesa só uma vela acesa no desafio à escuridão. Contemplo o copo de vinho e o sorriso que me oferece na cor rubi do líquido. Faço-o girar, confronto-o com a chama, sinto-lhe o aroma. Guardo-lho.


Oiço ao longe um trovão, anunciando chuva e tempestade. Aconchego-me mais ainda na manta que me suporta o frio e dou conta do arrepio.


As sombras querem dançar a cada uivo mais forte do vento, aproveitando a hesitação da luz. Perco-me a vê-las, quero acendê-las, mas… sombras sem luz são vazio.


A vidraça continua a respirar em mim e eu continuo sentada na mesa. As folhas de papel prontas a receber-me enquanto me arranjo por dentro. Quero oferecer-me bonita, brilhante, feliz.


A bebida tépida aquece-me. Descobre caminhos no gosto, invade-me o paladar. Sou agora do prazer de a saborear. Devagar.


A chuva chega-me no ar que se adensa. No cheiro a terra molhada que passa pela janela fechada. Ainda não é, mas já a sinto na vontade de as nuvens se derramarem em pranto. Sorrio-lhes.


Anda. Que a chuva não tarda. Que o trovão se impacienta e as folhas podem esperar por mim.


Anda. Pus outro copo na mesa desde que te senti aí, rosto colado à minha janela, respirando-me atrás dela.


Anda ver a chuva cair, partilhar a minha manta e sorrir quando as bátegas chegarem para lavar a marca do teu respirar.

11 agosto 2010

RESPOSTAS




Porque é que quando sussurras nasce um grito que rebenta em eco dentro de mim?


Porque me faço ressonância encerrada numa caixa onde o som definha estrangulado por trepadeiras que o enlaçam?


Porque me divido em pedaços cada vez mais pequenos, cada vez mais pedaços dos pedaços que acabei de transformar em pedaços ainda menores?


Vou retalhar o «porque». Incomoda-me poder fazer perguntas sabendo de antemão que as respostas estão trancadas no fim do ponto de interrogação.


Deixo o meu cartão de visita. Para que sejam elas a procurar-me a mim…

04 agosto 2010

CONTEXTOS



As vezes páro para pensar em nada.

Como se não existissem contextos no mundo.

Depois começa a chover realidade.

E ensopa-me.

E não há toalhas que me sequem.

E quando me apercebo….

São minhas as lágrimas que molham

A realidade de alguém

Quando me deixo escorrer nelas

E fico seca num invólucro vazio

A flutuar no nada que consegui

Convidar para o meu pensamento.