07 novembro 2010

INSÓNIA

Tento escrever nas paredes da insónia. Erguem-se brancas, desafios lívidos aos meus cinzentos. Quatro paredes a caminho de um fim que não se vislumbra porque não tem tecto, a insónia. As linhas rectas das intersecções perdem-se na bruma da memória que se desfaz no nevoeiro eterno que existe no fim das noites que se não dormiram.

Até na horizontal, quando me viro e o colchão geme e se queixa, permanecem indefectíveis, hirtas, pedantes. E brancas. Como folhas de papel imaculado, virgem. Uma oração errada, uma vírgula mal colocada, um ponto final precipitado ou tardio – máculas. Atiro as palavras mas ordeno-lhes que regressem antes de se abraçarem à cal.

As paredes da insónia queimam as palavras perdidas na sua verticalidade cáustica. E assim permanecem alvas, as quatro, parecendo por vezes que me esmagam durante o sono, se ele vier. Nunca vem. Mas se vier…

E escrevo-lhes. Agora que me apercebo que jamais terei coragem de arriscar frases na sua superfície acusadora. Escrevo-lhes numa película com que as forrei. Consciência. Ou dito cartas de memória. Para que me oiçam, já que temo que me apaguem as palavras.

A insónia observa-me, directamente de dentro de mim. De uma profundeza mais densa, como se houvesse um abismo dentro de cada um de nós e a insónia estivesse escondida nas suas entranhas. Sabe-me de dentro para fora. Sabe-me mais do que eu própria.

Por isso as paredes não terminam e me anulam. Porque não sabem onde acabo.

Nem eu.

8 comentários:

Filoxera disse...

Tens aqui um desabafo cru de quem
sente a verdadeira angústia.
"Agora que me apercebo que jamais terei coragem de arriscar frases na sua superfície acusadora... Para que me oiçam, já que temo que me apaguem as palavras."- faz-me recordar uma parte do meu post mais recente.
Adorei as cartas que escreves de memória...
Beijos.

Mar Arável disse...

Texto para ler e reler

sensível e profundo

este diálogo escrito
às palavras
em desafio

M(im) disse...

Filoxera, Mar Arável: obrigada!
Muito!
Um beijinho

Virgínia do Carmo disse...

G., li alguns textos do seu blogue e gostei muito;
Este foi um deles. Penso que escrever também é isso: exorcisar as nossas insónias...

Um abraço

Virgínia do Carmo disse...

G., li alguns textos do seu blogue e gostei muito;
Este foi um deles. Penso que escrever também é isso: exorcisar as nossas insónias...

Um abraço

Virgínia do Carmo disse...

Não exorcisar, mas exorcizar, claro...

:)

Lídia Borges disse...

Não obstante a "verticalidade cáustica" das paredes da insónia ser difícil de suportar, este prosa está carregada de elementos poéticos que prendem e encantam o leitor.

Muito bonito!

L.B.

Nilson Barcelli disse...

Não vale a pena ficar chateado com a insónia. Ela não gosta e ainda é pior...
Uma boa opção é escrever e/ou ler nas paredes da insónia. Ou contar-lhe uma história (pode seer com carneirinhos...). Com toda a calma e sossego, que ela farta-se e vai embora.
Querida amiga, gostei do teu texto. Gostei tanto que até disse uns disparates... rs...
Beijos sem sono.