22 janeiro 2011

E PORQUE NÃO?



Enrolei-me numa cortina, porque não podia ficar nua. Há momentos em que a nudez nem sequer existe, porque se está vestido só de alma. Mas não podia ficar nua enquanto a alma vagava sem destino. Era translúcida e acetinada, suave. Cobri os ombros, enrolei-a ao corpo, segurei-a com uma mão. Deixei a outra no calor macio, escondida. ´


Tolhia-me os movimentos, por isso andava devagar. Mas sempre e em frente. Olhos postos numa espécie de horizonte que não acompanhava a curvatura da terra. Numa linha que se deslocava tanto quanto eu – exactamente à mesma velocidade que os meus passos enrolados e que se perfilava ondulada à distância.


Apercebi-me que o chão era absolutamente normal, por isso o calor abrasador nos tornozelos tinha que ter outra origem. Ardia. A minha parca vestimenta estava em chamas – num fogo quieto, manso, sem labareda à vista. Consumia-me o abrigo lentamente, testando-me o limite.


Avistei um lago ao fundo. O desconforto alastrando à barriga das pernas, a brisa inflamando a labareda, impaciente. Ficava no caminho. Fui.


A água ardia nos tornozelos queimados. Não refrescava, não aliviava. Latejava como se os aspergisse com álcool ou com sal. Sal… Banhava-me nas tuas lágrimas enquanto o teu fogo me consumia. E o horizonte ondulado se agitava, num adeus atabalhoado.


Adeus. E porque não?

3 comentários:

PÉTALA disse...

G
Que bem descreves o fogo da paixão
e a dor do adeus...
O amor dói de muitas maneiras...
mas nem sempre dói
Amor mesmo com dor E porque não?
Aroma de
PÉTALA

OUTONO disse...

Porque sim...direi!
Uma vez mais bateste no extremo do dizer e, escreveste o limite do teu sentir.
A palavra Adeus...deverá só ser escrita quando o Adeus disser Adeus...até lá, é apenas uma forma de letra que compromete ou não.
Uma vez mais saio com vontade de voltar nesta leitura que me embriaga...
Porque não...um beijinho?

Mar Arável disse...

e assim se fica suspenso

numa interrogação