21 fevereiro 2010

POIS É…

Pois é...

Há um momento em que a realidade não é, em que subimos ao sonho no hélio da esperança. A queda é sempre violenta, por mais colchões que tenhamos empilhado para o caso de... Vivia já num luto que não sabia quando uma senhora doce me disse: «Quer um atestado?». Tinha uma pilha de colchões - sou previdente - e ainda assim me senti esmagar contra pregos. Eram todos de camas de faquir.

Um mês de vida, no máximo, disse-me a médica, furando o balão e abrindo caminho à enxurrada de lágrimas que não podia verter.

A dois metros, para lá da porta entreaberta, um padre rezava esperanças irreais na percentagem. Um rosto magro e omisso de cabelo - virou-se para mim e descortinou a lágrima teimosa que não consegui guardar para depois. Só uma. E perguntou:

- Porque choras, filha?

Porque choro?

- É do Pai Nosso, Mãe.

Mas ela sabia. Que eu não acredito em Deus. E o resto também.

Uns dias depois - muito menos que o vaticinado mês - falava-lhe por detrás de uma cortina de um serviço de urgências piedoso. Que descansasse, que dormisse, que eu estava ali (em palavras doces). Que cada inspiração fosse a última porque mais tempo de sofrer não valia para viver amor. Que a amava e que podia ir em Paz, que eu ficava bem (de alma para alma). Nem uma lágrima, só Paz e Confiança no fim do Futuro.

Acabou.

Dedos treinados na jugular, no braço:

- Já não tem pulso.

Pois não. Já sabia.

No mês seguinte – coincidência? - Engravidei.

A minha filha é Alegria pura, num Futuro de amanhãs.

Por entre os sorrisos, as gargalhadas, os dias que correm para o dia seguinte, uma sombra que resiste à escuridão instalou-se confortavelmente. Abraço-a e sinto-me plena na partilha desse sentir que tem que ser que ser gigante, porque tem muitos donos.

Chama-se Saudade.

«Outono»: obrigado por abrires esta porta, na tua própria saudade.

3 comentários:

Truta disse...

Eu que assisti e senti de forma intensa de maneira diferente, claro!, a tua e a nossa dor, não consigo nem para mim descrever os factos como tu descreveste. Parabéns!
Tudo na vida que se tira com uma mão, Deus dá com outra... no nosso caso foi demais evidente. E se tirou alguém fabuloso, deu-nos um "anjo"...
Relações como a nossa não deviam acabar, mesmo que às vezes o mar seja encrespado e o vento ciclónico... para isso muitas vezes temos de arribar a portos e arranjar paciência e relançar o amor que sempre existirá...

Obrigado!

OUTONO disse...

Fácil será deduzir...que fiquei sem palavras.
Não abri porta nenhuma. Aconteceu....e gostaria de nunca...ou de ainda não ter sejntido esta saudade funda.
O teu comentário, teve um efeito...calmo, porque houve uma partilha. É curioso, como neste mundo da net, sem sentirmos, olharmos e pensarmos...somos comunicação.
Sou eu que te agradeço, a tua "pena" de escrita amiga. Como vulgarmente digo...oxalá seja sempre um correr sol...nos dias que por cá continuamos a fazer "birra"...
Beijinho.

M(im) disse...

Nas vésperas de «Roma» o tempo mudou a escala. Encolheu.
Fica hoje o obrigada - GRANDE, GRANDE - maior, só essa saudade que partilhamos com muitos mas gostamos de ter como exclusiva.
Beijo