14 janeiro 2010

ROUBO



Roubei-te 1 pedacinho de vida. Enquanto dormias, fui à gaveta da tua cómoda e estava lá este pedaço, cheio de sorrisos e de ternura. Não se faz… mas tinhas lá tantos! E este era tão bonito! Não resisti.
Meti-o no bolso, escondi-me no armário do corredor e carreguei no «Play». Os sorrisos libertaram-se numa confusão tremenda – alguns eram gargalhadas, sabias? – e fugiram-me por entre os dedos. Ainda apanhei alguns, mas eram muitos… deixei-os ir. E fui com eles. Levei a ternura também, não a podia deixar para trás.
Não eram meus, eu sei, mas aqueles olhos grandes eram tão vazios… fundos e redondos como o círculo no fim de um ponto de interrogação. Deixei-lhes alguns dos sorrisos e a maior parte da ternura. Emprestados, claro! Não eram meus, afinal….
Ainda assim sobravam bastantes e eu queria usá-los, vivê-los, perceber como conseguias ter tantos guardados num pedacinho de vida tão pequenino. Se calhar queria viver-te…
Mas tropecei naquelas mãos estendidas, muito plurais. Estavam frias, sabes? Por fora. E geladas por dentro. Tentei aquecê-las nas minhas. Em vão! Quando as soltei, relutante, os sorrisos que me restavam agitaram-se, rebelaram-se, colaram-se-lhes e aqueceram-nas com ternura. A tua ternura. Em tantas mãos, espalhada.
Ainda dormes, num sono tranquilo. Pensei que durante este ou outro sono conseguiria entrar no quarto e sem que te apercebesses fosse possível colocar o pedaço sonegado no seu lugar. Desculpa. Não pretendia estragá-lo, mas tarde percebi que os sorrisos não se pedem de volta e que a ternura não se empresta: são dádivas. Que te roubei.
Por isso… pé ante pé, eis-me perante a gaveta aberta – da tua cómoda – onde guardas tantos tesouros. Não para devolver o que não devia ter tirado, mas para te dar o que criaste sem saber: novas vidas, vidas velhas renascidas. E só com um pedacinho roubado da tua…

14 Janeiro de 2010

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