12 janeiro 2010

RASGA

Rasga. Cada esboço de cesariana, parido à revelia da alma. Olha para o papel: tão apenas suporte, mendigo de sentido, tão rabiscado, tão vazio afinal, que a gramática rege as frases mas os sentimentos enchem as palavras, transportam-nas do papel para a eternidade.
Por isso: Rasga. De tão bem conjugados os verbos soam cansados. Como se o parto sem dor, a anestesia, os adormecesse e os fizesse descuidar a sua força, o seu significado. Dormem os adjectivos, numa modorra correcta, sem a chama incendiária que se lhes exige, fraca publicidade a substantivos que de conteúdo mais não carregam que ecos difusos, indistintos.
Ouves-me? Rasga… Torce, distorce, adultera, sê!!!! Dobra, amarfanha, amarrota, exige!!!! Parte, quebra, dilacera: sente!!! Viola o branco imaculado do papel, que te agride, que te fustiga. Impõe-lhe sevícias, risca e escreve por cima, por baixo, não escrevas! Castiga tão perfeita alvura, tão promíscua oferta com minutos, horas, dias de indecisão. Deixa-o penar de angústia, de curiosidade. E ganha tempo para viver, para roubar os cheiros com que o perfumar às flores do jardim onde deste o primeiro beijo e para gravar fundo em ti as emoções que te arrancarão as lágrimas com que borrarás uma ou outra palavra, inundando-a de significado. Sem avareza, oferece-lhe alguns sorrisos, só alguns dos muitos que se espera que esboces e ilumina-os com uma ou outra gargalhada sonora, vibrante, nascida de ventre puro de alegria sem sombra.
E quando achares que já sabes vida, e te atreveres a saciar a curiosidade semeada… Rasga!!! Ou risca. E diz-lhe -ao papel, ele está curioso - não! Ainda não… Falta o erro, o excesso. A desilusão, o desvario. O êxtase, o delírio. E depois de tudo isso, as paixões e a Paixão. Pelos outros, plurais de preferência, mal partilhadas, saboreadas e desventuradas. Por ti – algum dia? – no momento da descoberta da tua imperfeição incontornável, da tua impermanência.
Rasga horizontes. Rasga preconceitos. Rasga limites. Milita na contradição, na contravenção, na negação. Provoca a rejeição, a crítica, a aversão até. Exclui-te, faz-te excluir até ao ponto da solidão. O amargo não deixa de ser um sabor. Obriga-te a experimentá-lo e reprime o esgar. Algema-te ao lado negativo da vida. Mas não deites fora a chave… Procura-a no dia em que intuíres a tristeza prenha de oportunidade, de esperança.
No momento – nesse momento improvável – em que sentires que é a hora, desafia o branco tão aparentemente neutro e rasga-te. Por sobre uma resma de papel verte as águas rebentadas. Sem epidural e num parto de dores, de amores, gera vidas em verso, decide-lhes o destino em prosa, recria-te num mundo por ti criado, exclusivo, construído por frases sublinhadas de esboços antigos, alguns rabiscados, outros amarrotados, tantos rasgados. …
Rasga. Amarrota. Amarfanha. Risca. Dobra e esquece. Mas, pelo sim pelo não, arranja uma gaveta de vida vivida pronta para receber os rascunhos enjeitados. Quem sabe um dia ganham sentido…

06 Outubro 2009

Um comentário:

OUTONO disse...

Vejo-te na lateral do meu Blog. Questiono-me... quem será??? Procuro resposta neste espaço, onde a palavra tem veia e sentido.
Leio um após um...e obrigo-me a comentar. Poderia comentar todos. Fico-me por este, mas num relance...digo-me , que a leitura compensa-me!
Neste último, onde existe um hiato de alguns meses, entre a edição criativa e a edição blog,há um "Rasgar" rasgado, como represália de um rasgo incompreensível...Será? Apenas o criador, neste caso a desenhadora de arte redactorial, falará de sua justiça, na verdade do seu sentir. Pouco ou nada importa, mesmo que tenha dois significados. Agradou-me. Prendeu-me na leitura. Chega-me!
Caso "não incomode" voltarei...quem sabe com outra leitura da leitura que li...quiçá, um Rasgo de criatividade na criação que irá ser editada, pela pena destas palavras...que não são levadas pela NET. AINDA BEM!